AMAR EM TUDO CADA UM
Por Alexandre Honrado
Foi num texto sobre Aristóteles, não ficando eu a saber se a frase era dele se do comentarista que o escreveu como se fosse de ambos, que retive uma máxima singular que passo a transcrever: “amar-se é amar em conjunto coisas além de si”.
Só nos amamos – só podemos amar-nos – se temos a capacidade de gostar juntos das coisas, e as coisas são o sol que nasce e se põe acima de todos os espetáculos, as paisagens que se somam no mundo amável que é o nosso, as gloriosas cidades, mesmo as mais discretas ou sombrias por tudo o que nos ensinaram da cidadania, os objetos que, como é sabido, consideramos imprescindíveis, as obras nossas e alheias, monumentais ou apenas nossas, as línguas, que sem elas não nos entendemos, aproximamos, duplicamos os amores.
Quando vejo o formigueiro que somos a sair do confinamento em corrida desenfreada para o açúcar – para nós a guloseima pode ser o areal da praia, o confinamento musical da discoteca, a esplanada, o jardim público, a montanha por escalar…Quando vejo o formigueiro a acotovelar-se, acreditando que saiu do pesadelo, que não passou tudo de um sonho ruim que nos calhou, vejo como se ama para além de nós, mesmo que seja um amor inconsciente, um amor que às vezes se trai nas dádivas, por exemplo quando se põe o nosso semelhante em risco, a começar pelos nossos familiares, ou quando se vota em partidos extremistas, impedindo os outros de gostar do que mais gostam. Imaginem um mundo na mão desses partidos, com limites às ideias, aos gestos, às etnias, às crenças, aos sentimentos, às ações… Que triste confinamento esse, de repressão e ditadura, as duas antecâmaras da morte dos povos.
Ai, a capacidade de gostar das coisas juntos! Que nos torna injustos quando, para gostar do ar que respiramos, corremos a poluir o ar que precisamos e, em formigueiro descontrolado, ignorando a pandemia, voltamos às ruas, aos encontrões, aos abraços (e os abraços às vezes são as formas suaves e apetecíveis dos encontrões onde nos encontramos e retemperamos).
Entre a consciência e a inconsciência, entregamo-nos à sorte.
A História, que nunca se repete, já viu episódios assim. E chorou por isso os seus mortos, esquecendo-os de seguida.
É que a dor é individual, enquanto a ameaça é coletiva.
É que a morte é de cada um, e não incomoda muitos outros.
É que amar tem caprichos surpreendentes e o formigueiro não conhece todos.
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